Aí é outra história

O Flamengo Foi Rebaixado em 1933? Verdade ou Mito?

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Saudações, amigos do Fim de Jogo. Prosseguimos com a nossa coluna, que tem por objetivo esclarecer alguns mitos que circulam pelos papos de torcedores, e até mesmo, pasmem, em livros e matérias de jornais.

Hoje atenderemos o leitor Leonardo dos Anjos (obrigado pela participação!), que nos escreveu pedindo esclarecimentos sobre uma história que anda circulando pelas redes sociais, a respeito de um possível rebaixamento do Flamengo, não concretizado, em 1933.

Caso você tenha alguma dúvida, algum mito que gostaria de esclarecer, faça como o Leonardo, escreva para nós.

Noutro dia, li este diálogo em uma rede social:
– O Flamengo já foi rebaixado! – escreveu um torcedor.
– Nunca! Você está enganado! – respondeu o outro, indignado.
– Foi, sim! Em 1933. O Flamengo foi o último colocado no Campeonato Carioca e deveria ter sido rebaixado. Viraram a mesa, só para proteger o Flamengo.

E as perguntas que não querem calar são: É verdade isso? o Flamengo foi rebaixado em 1933? Houve virada de mesa para proteger o Flamengo? Ou isso é mais um dos mitos que circulam lépidos e fagueiros pela internet?

E respondo: sim, é um mito, uma lenda urbana, igual “a loura do banheiro”.

No máximo, é possível admitir que o rubro-negro foi, de fato, o último colocado no campeonato carioca de 1933, na versão da Liga Carioca de Football – LCF, que tinha adotado o profissionalismo. Quanto a rebaixamento, bem, as fontes deixam bem claro que não existiu.

(*) Vamos deixar bem claro para os nossos leitores que, em 1933, havia um Campeonato Carioca Oficial, reconhecido pela federação oficial da época (a AMEA), pela Confederação Brasileira de Desportos – CBD (a CBF da época), e pela Federação Internacional de Futebol Association – FIFA. Nesse campeonato, o Botafogo sagrou-se bicampeão. E a ordem da classificação final foi: 1o.) Botafogo, 2o.) Andaraí, 3o.) Olaria, 4o.) Confiança, 5o.) Portuguesa, 6o.) Engenho de Dentro, 7o.) Cocotá, 8o.) Mavílis, 9o.) Brasil, 10o.) River.

(*) Como podem ver, o Flamengo (e o Vasco, Fluminense, América…) não faz parte da classificação final do Campeonato Carioca Oficial de 1933. O último colocado foi o River. Ele foi rebaixado? Não, não foi. No ano seguinte, 1934, a relação de times que disputaram a primeira divisão do Campeonato Carioca oficial foi a seguinte: Botafogo (tricampeão), Olaria, Mavílis, Andaraí, Portuguesa, Engenho de Dentro, Confiança, Brasil, Cocotá e River. Ou seja, todos que disputaram o Campeonato Carioca Oficial de 1933. Ninguém desceu, ninguém subiu. Logo, já se começa a errar quando se diz que o Flamengo foi rebaixado no Campeonato Carioca de 1933, pois ele nem participou do quadro de classificação final.

(*) De qual campeonato o Flamengo participou, então, em 1933? De um campeonato não-oficial. De um campeonato de uma Liga, não reconhecida, à época, pelo órgão oficial do futebol da cidade, nem pela CBD, nem pela FIFA. Liga essa que não previa rebaixamento no regulamento de seu campeonato. Logo, querer pensar em rebaixamento num campeonato de Liga, quando nem no oficial havia esse mecanismo é uma tolice sem fim. Seria o mesmo que pedir rebaixamento no campeonato da recém-criada Primeira Liga (essa que envolve clubes do Rio, Minas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Claro… A não ser que o Flamengo seja o último colocado do campeonato da Primeira Liga… Aí, vai ter gente querendo que ele seja rebaixado para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. Desculpe, pessoal, mas a comparação é a mesma entre o que houve em 1933 e agora.

(*) Mas vamos destrinchar o caso de 1933…

Além da LCF, outras duas ligas estavam em atividade naquela época: a oficial, reconhecida pela FIFA e pela CBD, a Associação Metropolitana de Esportes Athléticos – AMEA, e a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres – LMTD, que optaram por permanecer amadoras.

Em 1933, a AMEA era liderada por dois clubes: o Clube de Regatas do Flamengo e o Botafogo Futebol Clube (ele só se tornaria “de Futebol e Regatas” a partir de 1942, mas aí é outra história…). Na LCF, Fluminense, Vasco, América e Bangu eram as principais agremiações. A LMTD, formada por clubes de pouca expressão, logo desistiria de competir, tornando-se uma espécie de departamento ou subliga da LCF, até se extinguir em 1935.

Com o intuito de fortalecer o profissionalismo no futebol, Vasco e Fluminense convidaram Flamengo, Carioca Football Club e São Cristóvão Athletic Club, para se filiarem à LCF. Os três times estavam disputando o campeonato da 1a. Divisão da AMEA. O Flamengo, inclusive, tinha jogado alguns jogos: 2×2 com o Olaria, em 30 de abril; 3×2 vencendo o Carioca, e aplicando uma sonora goleada no River: 16×2, o maior placar do campeonato.

O São Cristóvão A.C. jogou quatro jogos pelo campeonato da AMEA e foi para a LCF, disputar a Segunda Divisão. O que não deixa de ser estranho, visto ele ter ficado em quarto lugar no campeonato de 1932. Mas foi para a Segundona e acabou faturando esta disputa por lá. O Carioca, depois de disputar alguns jogos, abandonou o campeonato da AMEA e não se filiou à LCF. O clube passava por alterações administrativas, fundindo-se com o Gávea Esporte Club, mudou o nome para Carioca Esporte Clube. Só voltaria a disputar campeonato de futebol em 1935.

O Flamengo… bem, o Flamengo topou (*) sair da Federação oficial e mudar para a primeira divisão da liga profissional (*) não oficial. Não tinha uma boa equipe, passava por turbulências administrativas, disputou o campeonato da LCF e ficou na lanterna.

A nova liga tinha apenas seis clubes na primeira divisão: FluminenseVasco, América, Bangu, Bonsucesso e Flamengo. Na segunda divisão (sim, havia uma segunda divisão na LCF, embora livros e sites não a mencionem. Vejam ao lado o recorte do Correio da Manhã de 16 de julho de 1933, dando conta do início do campeonato da 2a. Divisão da LCF), estavam na disputa oito times. Da mesma forma que o outro campeonato, não havia previsão de acesso ou descenso. Mesmo assim, o São Cristóvão A. C. foi convidado para disputar a Primeira Divisão em 1934, passando o número de concorrentes para sete.

Embora houvesse 2a. Divisão no campeonato oficial da AMEA, em 1933 não teve acesso ou descenso, nem estava previsto isso no regulamento. Tanto que, no campeonato oficial da AMEA, em 1933, o último colocado foi o River Futebol Clube, que disputou normalmente na 1a. Divisão em 1934. O campeão da Segundona da AMEA, o Esporte Clube Anchieta, não foi convidado para subir para a primeira divisão e lá disputar o campeonato. Logo, nem o River desceu, nem o Anchieta subiu no campeonato (*) oficial porque, repito, não havia previsão de acesso e descenso.

Da mesma forma, não havia no regulamento do campeonato da LCF, em 1933, a figura do rebaixamento. Nem faria sentido fazer descer o último colocado numa jovem liga onde times jogavam por convite.

O Flamengo não foi o único clube grande a ficar em último lugar num campeonato carioca. Em 1921, o Fluminense foi o último colocado; em 1923, o Botafogo segurou a lanterna e nos dois casos não houve rebaixamento, mesmo existindo uma Segunda Divisão.
Aproveito para divulgar um trabalho de pesquisa realizado por Renata Timbó e que está no Blog do Leitesf (postagem de 14/4/2012).

Pela pesquisa da Renata, de 1906 a 1981, houve rebaixamento para a Segunda Divisão somente em nove ocasiões (1910, 1913, 1914, 1915, 1919, 1920, 1928, 1964 e 1980) e nenhum destes casos envolveu times grandes. (*) Perceberam? Depois de 1928, só voltou a ter rebaixamento em 1980! Ela listou os últimos colocados de todos os campeonatos cariocas daquele período e é possível constatar, por exemplo, que o Bonsucesso foi renitentemente lanterna em quatro campeonatos profissionais seguidos (1941 a 1944) e em outras cinco outras oportunidades.

E em todos os anos seguintes em que tinha segurado a lanterna, lá estava o simpático Bonsuça disputando o campeonato da Primeira Divisão. Não necessariamente o campeão da Segunda Divisão subia para a primeira, ou o último colocado da divisão principal descia para a Segunda. Esse sistema sendo posto em prática de forma organizada e seguindo regulamento é de 1980 para cá, e mesmo assim com uma ressalva:

Portanto, não houve virada de mesa, nem manipulação de resultados. O Flamengo ficou em último num campeonato não-oficial da liga profissional, sem prever descenso no regulamento. (*) Os campeões da Liga Profissional (em 1933, Bangu; em 1934, Vasco; em 1935, América; em 1936, o Fluminense) só foram reconhecidos em conjunto com os campeões do campeonato oficial depois da pacificação, que aconteceu em 1937, por iniciativa dos presidentes do Vasco e do América (quando surgiu o famoso “Clássico da Paz”). Mas até então, esses quatro campeonatos não eram reconhecidos como oficiais. Logo, como pedir rebaixamento num campeonato que nem oficial era?…

Um dado curioso: o primeiro campeonato profissional, de 1933, foi considerado como frustrante. Na página 33, do Jornal do Brasil, de 8/11/1933, Luiz Vianna escreveu matéria com o título: “O fracasso do profissionalismo no futebol carioca”, onde afirmava que o profissionalismo (que ele chamou de mercantilização) tirou todo prestígio do futebol. E previa que o futebol profissional não duraria muito. Mas aí é uma outra história…

(*) Bem, leitores, está aí a explicação, estão aí os fatos, todos rigorosamente pesquisados e verificados, com as fontes divulgadas. Não tem “eu acho”. Não me iludo em acreditar que a discussão acabará. Não vai. A torcida do Flamengo é a maior e a mais “arrogante”. Eles gostam de zoar as demais torcidas no Rio, especialmente com o argumento de que nunca foram rebaixados. Isso, obviamente irrita os torcedores rivais, que vão procurar na História do futebol algum rebaixamento do time rubro-negro. O mais perto que vão achar é o último lugar nesse tal campeonato não-oficial de 1933. Para eles, é o que basta. Até o dia em que o Flamengo efetivamente seja rebaixado, se é que vai ser, isso vai ser usado como o troco (mesmo sendo uma inverdade…) que os torcedores rivais darão como resposta às provocações flamenguistas. O Fla vai ser rebaixado algum dia? Bem, aí é uma outra história…

(*)Texto atualizado em 02/03/2016

(FONTES: MERCIO, Roberto. A história dos campeonatos cariocas de futebol; jornais de época e diversos sites da Internet)

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Post Author: Marco Santos