O Maracanã, estádio mítico, por tantos jogadores que lá pisaram. Mítico por ser palco de tantas histórias de fazer inveja aos maiores escritores que já passaram por esta vida. Nem Mário Filho, jornalista que dá nome ao estádio, nem o tricolor Nelson Rodrigues conseguiriam descrever o que foi o igualmente mítico 4 de novembro de 2023. Quem dirá eu, um mero estudante de jornalismo. Mas recebi essa incumbência que aceito por me permitir relembrar de um dos dias mais felizes da minha vida.
O 4 de novembro, diferente de qualquer dia contido no calendário gregoriano, juliano ou qualquer outro criado, escapou da matemática moderna. Não começou a zero horas após às 23 horas, 59 minutos, 59 segundos e quantas frações de tempo forem possíveis existir.
Ele começa no 21 de julho de 1902, ano de criação da “melhor ideia de todos os tempos”, segundo o seu próprio fundador, Oscar Cox. E passa por outros muitos momentos. Muitos deles no Maracanã.
Como do título Carioca de 1963, onde Fluminense e Flamengo disputaram a final para 194.603 presentes, o maior público entre clubes na história do esporte. Ou então do elástico de Rivelino e as exibições apoteóticas da máquina tricolor.
Chegamos no século XXI. Em 2002. Centenário do clube, ano do meu nascimento. Se ali eu nascia para o mundo, em 2009 o mundo ganhava cores para mim. No pior momento do clube neste século, fui conquistado pelas três cores. Era um caminho sem volta. Mesmo 99% rebaixado matematicamente, o Fluminense me ensinou a não desistir. O primeiro dos tantos ensinamentos que carrego até hoje.
Time de Guerreiros
Contrariando as estatísticas, o intitulado “Time de Guerreiros” conseguiu a permanência na primeira divisão. Ainda colhendo os cacos do pesadelo de 2008, a maior injustiça do futebol: o Maracanazzo 2.0. Uma cicatriz que se abriu e que perduraria anos a fio.
Mas, iniciamos ali a nossa volta por cima. Mesmo longe do Maracanã, interditado para as reformas em vista das Olimpíadas do Rio, conquistamos o título de campeão Brasileiro de 2010, depois de 26 anos de espera. Título que nos fez sonhar. E o de 2012, que nos fez acreditar.
Porém, passamos anos no limbo. Cada vez estávamos mais distantes da nossa obsessão: a Libertadores da América.
Precisávamos nos reerguer. E tudo começou a se alinhar em 2019, na primeira passagem de Fernando Diniz. Dessa vez, frustrada pelos maus resultados. Apesar de ter me trazido novamente o prazer de assistir o meu time jogar.
Em 2020, meu grande ídolo voltou. O até hoje insuperável Fred. Autor do primeiro gol do novo Maracanã ainda lá em 2013. Tal qual foi Didi, o primeiro jogador a marcar um gol após a construção do Maracanã em 1950, época em que era jogador do Fluminense.
E com ele começamos a caminhar para um lugar de onde não deveríamos jamais ter saído.
De novo, passamos a alimentar a nossa obsessão. E de degrau em degrau fomos subindo. Voltamos à Libertadores. Mas, ainda não conseguimos fazer as pazes com nosso passado…
Mais uma frustração. A eliminação na fase preliminar para o Olimpia.
Será mesmo que quem acredita sempre alcança?
Essa dúvida pairava no ar. Menos para um grupo de apaixonados: os chamados Tricolores. Para eles, nada é impossível.
A Glória Eterna
Nesse espírito, conquistamos o carioca em cima do nosso maior rival, após dez anos sem títulos. Em seguida, vi meu grande herói deixar os gramados. Mas com a certeza que a semente da vitória foi plantada por ele.
Meses antes, Fernando Diniz, deixando qualquer cerimônia de lado, ligou para o presidente e pediu para voltar. Disse sentir que havia algo especial guardado para ele e para o Fluminense.
O time estava formado. Um homem chamado de louco estava no comando. Um capitão que falava em profecias, liderava a equipe. Um goleiro renegado por quem dizia ama-lo, tinha a missão de ser um paredão. E um atacante que despontava tardiamente para o futebol e era chamado de pipoqueiro, deveria fazer uma quantidade inimaginável de gols.
Quem acreditaria que esse time, envelhecido e renegado, poderia alcançar a glória eterna?
Contrariando a lógica, dali nasceu um verdadeiro esquadrão. 7×0 no Volta Redonda, 4×1 e título do Carioca contra o Flamengo e o 5×1 sobre o temido River Plate, em pleno Maracanã.
O time passou a oscilar. Todavia, a luta dos jogadores nos fazia acreditar que era possível.
Pude acompanhar no Maracanã toda a trajetória do Fluminense na Libertadores. Do baile em cima do gigante argentino, às tensões contra o Argentino (Juniors).
O Fluminense me fez voltar a abraçar o meu pai. E nesse embalo, eliminamos nosso carrasco do ano anterior. E ali, junto a Cano, se construía mais uma história digna de idolatria. O outrora perdido John Kennedy, passou a se encontrar.
Nas semifinais, com um a menos, empatamos com o Internacional em um dos momentos mais emblemáticos do clube. E a música “Time de Guerreiros”, voltou a ecoar pelas arquibancadas do Maracanã. O nosso símbolo motivou os jogadores para mais uma batalha. Dessa vez, longe de casa.
Quando tudo parecia perdido após o Inter abrir o placar. Nós acreditamos até o último momento. E fomos recompensados com a virada mais espetacular de nossas vidas.
Depois de 15 anos, chegávamos a final contra o todo poderoso Boca Juniors. No mesmo palco onde o Fluminense viveu o capítulo mais triste de sua vida. Era a nossa chance de cicatrizar aquela ferida.
Mas, até que isso acontecesse, enfrentamos um mês de ansiedade, noites mal dormidas, lágrimas e um único sonho: conquistar a Libertadores que nos foi arrancada injustamente em 2008.
Na final, estava nervoso. Tinha assistido a todos os jogos da campanha no setor Sul. Mas naquele dia, estava nas cadeiras cativas do Maracanã, pois havia cedido o ingresso que havia comprado a um dos meus tios.
Tudo já estava escrito, mas eu não chegava nunca ao fim do livro. Quando me vi, estava comemorando o gol do inevitável German Cano.
De tão perto, ainda estávamos longe. Vi o Boca empatar e a tensão me tomar conta. Como suportaria mais uma vez ver o meu sonho escorrer pelas minhas mãos?
Entretanto, como eu disse… Tudo já estava escrito. Bastava eu chegar ao fim do livro. E lá estaria ele, John Kennedy. Acabando de vez com um pesadelo que já durava 15 anos. Realizando o meu sonho. Sonho de criança, de adolescente e adulto. O sonho de ser campeão da Libertadores da América.
Um dos momentos mais felizes da minha vida. Ainda choro e sorrio enquanto a ficha vai caindo. O único sonho a qual não dependia de mim havia se realizado, eu dizia. Porém, estava enganado. O sonho dependia sim, de mim e de toda essa torcida a qual jamais desistiu de acreditar. A sua hora chegou. E mais uma vez o Fluminense me ensinou algo importante… “Quem espera SEMPRE alcança!” O que para muitos era impossível, hoje é realidade. O Fluminense é campeão da Libertadores no Maracanã.
Por João Pedro Faria – repórter do Fim de Jogo, integrante do projeto da DC Press / Fimdejogo e da Universidade Veiga de Almeida. Supervisão Cris Dissat e Daniela Oliveira.