Da expectativa de público à segurança: Como se planeja um jogo no Maracanã?

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Recentemente na final da Liga dos Campeões da Europa, entre Liverpool e Real Madrid, em Saint-Denis na França, diversos problemas de acessos de torcedores foram registrados. A confusão fez o jogo atrasar em 30 minutos e mesmo quem tinha ingresso teve problema para entrar.

Segundo relatos, os torcedores teriam ‘quebrado’ um primeiro cordão de isolamento, bem próximo ao estádio. Imagens mostraram uma enorme aglomeração na entrada e torcedores pulando os portões. O fato causou estranheza porque não se espera que na Europa esse tipo de situação acontecesse.

A primeira coisa foi fazer um retrospecto sobre o que tem acontecido no Maracanã. Alguns pontos ainda são complexos, como algumas dispersões de torcedores como já aconteceu na final entre Vasco x Fluminense no Carioca; no acesso do setor Sul, na Rua Eurico Rabelo; e na recepção de torcedores do Flamengo em 2021, ainda na pandemia.

Mas invasões no estádio têm sido raras. E por que problemas graves não têm sido registrados no Maracanã nos últimos cinco anos? Para entender o que vem acontecendo é preciso saber o que provocou essa mudança de estratégia na organização dos jogos.

Longa Lista

Planejar uma partida envolve uma lista enorme de itens, que vão dos valores dos ingressos, passando pela expectativa de público, previsão de riscos, definição de acessos, bilheterias, alteração no trânsito, segurança, ambulantes internos, coleta de lixo, transporte público e por ai vai.

Há 18 anos acompanhamos a movimentação de chegada e saída dos torcedores e procuramos contribuir, mostrando em tempo real, no Twitter; em vídeos no nosso canal no Youtube; e nas matérias aqui no Blog as principais necessidades dos torcedores, sejam novatos ou frequentadores assíduos do Maracanã. O ponto central é que cada mudança de comportamento do público vai influenciar em decisões a serem tomadas.

Bastidores do Plano de Jogo

Você sabe o que está por trás do planejamento de um jogo no Maracanã, desde a hora que a data é definida até que o torcedor esteja na arquibancada? São muitas decisões, observações, reuniões e organização no dia do jogo, em um processo que pode envolver até duas mil pessoas nos bastidores.

Muitos ajustes têm sido feitos, inclusive trechos do entorno do Maracanã com acesso restrito e até a definição do nível de risco de uma partida.

Foram dias de conversas, entrevistas, pesquisas e a cobertura da última partida no Maracanã, com Vasco x Cruzeiro, avaliar como andam todas as estratégias.

Depois da Sul-Americana de 2017

O trágico episódio da final da Copa Sul-Americana, em 2017, ensinou muito e provocou diversas mudanças no planejamento das partidas.

A invasão do estádio no jogo entre Flamengo e Independiente se transformou em um aprendizado, não só para entender o que aconteceu naquele dia, mas para desenvolver um novo processo de operação do Maracanã, incluindo a definição de risco de cada partida.

Muitas reuniões aconteceram naquela época, e divulgadas por diversos veículos de imprensa. Com a pandemia, toda a logística teve mudar e com o retorno do público novas reuniões estão sendo feitas com Ministério Público e órgãos envolvidos no planejamento dos jogos no Maracanã.

Para Severiano Braga, CEO do Maracanã, esse trabalho em conjunto é que mudou todo o conceito na organização das partidas. “Nas definições das necessidades de cada jogo estão o Maracanã, Policia Militar, BEPE, CetRio, CEOP, Guarda Municipal, FERJ, CBF, Ministério Público, Comlurb, Supervia, representantes dos clubes e a empresa de planejamento (Rota Produção e Gestão de Eventos). Todas as análises e estudos foram feitos naquela época, para que não se repita o que aconteceu em 2017”.

Severiano conta que em abril de 2018, foi criado um grupo de trabalho e apoio, coordenado por Claudio Varela, do Ministério Público, para que as avaliações daquela tragédia fossem feitas, criando um novo plano de ação e o Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor (Gaedest).

Cenários Específicos de cada Partida

Para criar estratégias adequadas, os jogos passaram a ter classificação de risco, de acordo com cada jogo. São vários cenários, criados desde as reuniões em 2017 e que continuam sendo utilizadas:

– Qual a importância do jogo?

– É no final ou início do mês?

– O Time está bem ou mal na tabela?

– Qual a previsão do tempo? Vai chover?

– A Torcida está satisfeita ou irritada?

– É uma decisão importante de um campeonato?

– Como está o humor geral do torcedor?

– Existem problemas políticos?

– É jogo da Libertadores?

Uma planilha com vários tópicos foi criada, com possíveis cenários e assim definir o grau de risco. “Cada jogo recebe uma bandeira de acordo com a complexidade da partida ”, explicou Severiano. Com a chegada da pandemia em 2020 tudo teve que ser interrompido. A partir de setembro de 2021, quando o público retornou ao estádio, o grupo, que havia sido extinto, retornou à atividade.

As informações do Ministério Público relatam que Reinaldo Lomba está reativando o grupo de estudo para que novas análises e estudos continuem. Segundo Severiano, a importância desta equipe é ser dinâmica, a partir de mudanças que são observadas no público e cenários do jogo.  “O Flamengo estava bem em 2019 e o cenário agora é diferente. Por isso, a todo o momento temos que ‘revisitar’ esse plano para novas estratégias”.

Severiano, que deu o exemplo do Flamengo, explica que os Planos de Jogos são feitos para qualquer partida que aconteça no Maracanã. Existe um Modelo de Operação do Maracanã que, segundo, o CEO, tem a previsão de ser aplicada em outros estádios.

Algumas mudanças no decorrer das decisões podem acontecer, em função de avaliação do comportamento das torcidas. No jogo entre Vasco e Cruzeiro, no último domingo, havia uma programação de organizadas do Vasco, que fariam uma caminhada de São Januário até o Maracanã. Essa atividade já tinha acontecido há alguns anos, quando um grande número de torcedores atravessou o Viaduto Oduvaldo Cozzi, seguindo pela Avenida Maracanã. Entretanto, naquela época não havia barreiras de controle de ingressos. Agora são colocadas barreiras em vários pontos, incluindo transversais de acesso ao Maracanã, só permitindo a aproximação do estádio só para quem tem ingresso. Prevendo um possível problema nessa aproximação, o BEPE acabou proibindo a ação e as torcidas informaram nas redes sociais que a caminhada estava cancelada. O risco foi controlado.

Operação de Jogos do Flamengo e Expectativa de Público

As partidas do Flamengo no Maracanã são as que têm recebido alguns dos maiores públicos, sendo necessárias ações cuidadosas para a montagem dos planos de jogos. Claudecir Silva, coordenador de operações do Flamengo, explica que são muitas etapas a serem realizadas, baseadas nas decisões do Grupo de Trabalho do Ministério Público e Maracanã.

A primeira parte a ser definida é a expectativa de público, seguida pelo preço dos ingressos, feita com a equipe de marketing do Flamengo. “Em cima dessa decisão começamos a montar a programação”, detalha Claudecir. De acordo com um levantamento nas atas dos jogos e borderôs, as partidas do Flamengo têm tido uma margem de erro pequena.

Em cada jogo um cenário precisa ser traçado. Um exemplo recente foi o jogo entre Flamengo e Fortaleza, no último dia 5 de junho. “Depois da vitória no Fla Flu, a previsão é que o jogo seguinte teria um apelo maior. Avaliamos que seria uma partida de grande interesse por tudo o que envolvia e foi o que aconteceu”, contou o coordenador. O Maracanã recebeu cerca de 63 mil torcedores.

Segundo o coordenador, o valor do ingresso é o segundo elemento definido pelo Flamengo, porque é decisivo para o torcedor em relação a ida ou não de um jogo.

Uma das falhas complexas do planejamento de jogo é estimar um público e a diferença for muito grande. Claudecir exemplifica. “Programo a abertura do Maracanã para 50 mil pessoas (sendo que a capacidade máxima seria de 70 mil), mas no dia da partida temos ingressos esgotados, muita gente do lado de fora, querendo comprar e você tendo que explicar o motivo de não ter aberto o estádio inteiro”. Ele esclarece que as equipes analisam tudo para evitar esse erro. Com 24 anos de experiência nas operações dos jogos no Flamengo, e mais quatro anos de operação pela Federação, Claudecir mistura a avaliação do cenário e a experiência nesta área.

Mas se existe a possibilidade de ter um público maior por que não abrir o estádio inteiro e evitar não correr riscos? Claudecir lembra que essa decisão eleva todo o custo da operação, incluindo equipes dos órgãos públicos e empresas, que se baseiam na expectativa de público para montar equipes.

Passo Inicial

Depois da definição da expectativa de público e valor dos ingressos, começa a fase de abertura de venda dos ingressos. “Faço a planilha geral de trabalho, ‘abro’ o jogo e mando para a tiqueteira, deixando alguns setores bloqueados. A liberação de cada área é feita aos poucos para enxugar custos. Sempre começamos abrindo o Norte, que é o preferido do torcedor. Também liberamos o Leste Inferior, Sul nível 1 e Maracanã Mais. Na sequência, no caso do nível 1 esgotar, abrimos o nível 2 do setor Sul, inclusive porque provavelmente o Norte já está esgotado.  Quando chega a 70% de compra do Leste Inferior, abrimos o Leste Superior, que têm preços semelhantes. Estas decisões são feitas através de uma comunicação intensa entre nós, Maracanã e a empresa que trabalha na operação conosco”, explica Claudecir.

Classificação de Risco

Claudecir conta que após o grande problema de 2017, o planejamento do Flamengo para os jogos teve que mudar e para isso participou intensamente dos debates. “Foi um grande trabalho entre o Ministério Público, Federação, Clubes e todos os demais envolvidos, criando uma classificação de risco de cada partida”.

Foram criados quatro níveis de risco para as partidas no Maracanã: pequeno, médio, alto e altíssimo, com bandeiras – verde, amarela, laranja e vermelha, indo do menor para o maior grau de perigo. “Utilizamos uma planilha eletrônica, com a inclusão de respostas a todas as variáveis, que constam no documento. Depois de todas as respostas assinaladas, o próprio sistema gera o grau de risco da partida, que vai refletir no efetivo e ações”.

Trânsito e Fiscalização

Além da segurança público, preço de ingresso, expectativa de público e identificação de conflitos, o esquema de trânsito no entorno do Maracanã é mais uma etapa importante no planejamento dos jogos. Quantas vezes, os torcedores nos pedem ajuda (pelo Twitter) para saber que horas e quais ruas estão fechadas.

Joaquim Diniz, presidente da CetRio, explica que as definições sobre bloqueios e esquema de trânsito são feitas a partir das decisões do Ministério Público e demais envolvidos. “A CetRio não faz as sugestões de níveis de risco de cada partida. Dependendo do que a Polícia Militar nos envia mais a expectativa de público é que definimos as ações. Em algumas partidas precisamos fazer interdições em todo o entorno e em outras não.”

Atualmente, a CETRio nos envia a programação de horários de fechamentos de trânsito e opções de trajeto para torcedores e moradores.

Hábitos e o Inusitado

Torcedores do Flamengo e Fluminense têm hábitos diferentes de chegada e preferências em jogos no Maracanã, que são analisados, mas eles já se têm uma boa noção de como as coisas funcionam. A comunicação constante sobre as ações tem ajudado a esclarecer as opções do torcedor, melhores horários e sugestões para chegar ao estádio.

Os nomes e letras dos acessos, os pontos de bloqueio e o fechamento do tráfego precisam ter as informações intensificadas pelos clubes para ajudar os torcedores. Quem vai ao jogo já está em um nível de estresse alto e a interpretação das informações fica mais complexa. Informações em redes sociais precisam acontecer em dias antes de forma intensiva. O torcedor que não está habituado ao Maracanã, olha para o ingresso e tem dificuldade de entender, por exemplo, que o acesso D, é chamado de Leste e que tem o apelido de Bellini, mas que pode não só receber torcedores daquele setor, mas também do Norte Nível 5 ou Sul Nível 5.

Se todos querem um bonito espetáculo dos torcedores nas arquibancadas precisam ajudar a que ele chegue com tranquilidade, informando com agilidade. Um trabalho que não é simples e, por isso, temos feito isso em tempo real, mas não é uma tarefa fácil.

Ao invés de conflitos pré-jogo, o melhor era pensar o que o torcedor precisa para entrar com tranquilidade ao Maracanã.

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Post Author: Cristina Dissat